Wednesday, March 17, 2010
Evocação a Eugénio de Andrade
Sessão de evocação a EUGÉNIO DE ANDRADE
17/03/2010
A Árvore, o escultor José Rodrigues e o editor José da Cruz Santos promovem mais uma evocação do poeta de As Mãos e os Frutos, no dia 20 de Março de 2010, às 16h00, na sede da Cooperativa Árvore.
José Viale Moutinho irá falar dos poemas Elegia da Águas Negras para Che Guevara e outros epitáfios, que serão lidos pelo actor Júlio Cardoso.
Estará exposta a edição de Chuva sobre o rosto, poemas de Eugénio de Andrade à mãe, com vinte desenhos de Jorge Pinheiro.
No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.
Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.
Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me? -
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;
Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;
Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...
Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
Eugénio de Andrade
Acrílico s/ tela- 2009